Bem-Estar de Animais Selvagens
A compreensão da importância das boas práticas que visam o bem-estar começou a ganhar força quando a senciência dos animais passou a ser reconhecida. O entendimento sobre o fato de os animais sentirem emoções positivas e negativas, nos faz repensar, diariamente, o modo como mantemos e cuidamos de diferentes espécies que estão sob os nossos cuidados.
Proporcionar elevados níveis de bem-estar a um animal está diretamente relacionado ao modo como criamos os ambientes artificiais para eles viverem e como atendemos às suas necessidades físicas, biológicas e comportamentais, em todos os estágios da vida, desde o nascimento até a velhice. Dentro do universo dos animais selvagens, este desafio é ainda maior, porque estamos falando de mais de 40.000 espécies distintas, dentre elas os anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
E para enfrentar este desafio, utilizamos o modelo dos cinco domínios, que nos ajuda não apenas a pensar na criação de ambientes dinâmicos e funcionais, capazes de possibilitarem experiências positivas aos animais, como também nos permite avaliar constantemente o nível de bem-estar que o animal está apresentando.
Os cinco domínios compreendem quatro domínios físicos-funcionais (ambiente, nutrição, saúde e interações comportamentais) e um domínio mental, que devem ser trabalhados de acordo com as particularidades da espécie e do indivíduo. E como podemos colocá-los em prática? Dentro do domínio ambiente vários pontos precisam ser considerados para atender às características do animal e cada um deles será avaliado pela possibilidade de proporcionar experiências positivas ou negativas. Independente do tamanho do animal, o ambiente precisa oferecer espaço suficiente para que grande parte do repertório comportamental seja apresentado e, ainda dentro deste espaço, a complexidade do ambiente também precisa ser levada em consideração. Por exemplo, um primata arborícola (vive grande parte da sua vida em árvores) precisa de espaço e estruturas que possibilitem este comportamento de subir em árvores). Já um tatu, que apresenta um comportamento de cavar, precisa de um substrato que atenda a estas características comportamentais. Considerando ainda a qualidade de um ambiente artificial, é imprescindível oferecermos pontos de fuga e esconderijos para que o animal se esconda sempre que sentir necessidade; dar a oportunidade de “não estar visível” é nosso dever a qualquer animal que esteja sob nossos cuidados.
Ainda dentro deste domínio, devemos nos preocupar em oferecer um ambiente que possibilite ao animal ter opções de escolha; o ambiente deve oferecer diferentes gradientes de temperatura, de iluminação, de estruturas físicas, além de segurança e conforto. Os diferentes estímulos sensoriais não podem ficar fora. Dentro do universo dos animais selvagens, cada espécie se “comunica”, interage e explora seu ambiente de acordo com a sensibilidade e acurácia de cada órgão do sentido, todos eles altamente especializados e específicos para uma melhor adaptação e sobrevivência.
O domínio nutrição é um ponto importante a ser considerado não apenas pela qualidade e balanceamento de uma dieta, mas também pela forma como o animal adquire seu alimento, considerando todas as particularidades dos diferentes comportamentos de forrageio (busca pelo alimento). Uma girafa, por exemplo, gasta em média 14 horas por dia forrageando e comendo folhagens de árvores; já uma onça precisa criar toda uma estratégia de caça da sua presa para se poder se alimentar. Além disso, precisamos considerar o grau de atividade, a idade e a fase reprodutiva, onde demandas energéticas variadas irão exigir mudanças constantes nas dietas. Se a espécie em questão puder ter essas necessidades específicas atendidas dentro do seu ambiente artificial estaremos proporcionando experiências positivas.
E para falarmos de saúde é fundamental observar as posturas corporais, presença de lesões, sinais de injúrias e dor dos animais. Muitas espécies de animais selvagens são consideradas presas (alimento de outros animais), quando estão em vida livre; por esta característica, elas muitas vezes camuflam (escondem) a dor para não se mostrarem fragilizadas e suscetíveis à predação. Precisamos estar muito atentos a essas características. Ter uma avaliação constante e uma intervenção médico-veterinária rápida, sempre que necessário, evita que os animais vivam experiências negativas dentro deste domínio.
Já as interações comportamentais abrem uma grande possibilidade de experiências essenciais aos animais selvagens mantidos sob cuidados humanos. Elas serão avaliadas pela interação do animal com seu ambiente, com outros animais (da mesma espécie ou não) e com humanos. Sendo assim, precisamos reforçar todas as técnicas de enriquecimento ambiental, para deixar o ambiente complexo e funcional dentro das necessidades da espécie em questão. Dar a possibilidade de interações com outros animais, principalmente para espécies que são sociais, reforça os comportamentos naturais de socialização e aprendizagem. A interação com humanos dentro das práticas diárias de manejo, cuidados e treinamento é uma outra oportunidade de o animal viver experiências positivas em seu ambiente.
E por fim, o domínio mental atua como uma balança de todas as experiências que os animais viveram nos domínios físicos-funcionais, sejam elas positivas ou negativas. Para mantermos um animal silvestre sob os cuidados humanos, seja ele um sapo ou um elefante, precisamos conhecer detalhadamente sobre a espécie e todas as suas características, necessidades, particularidades e individualidade para que esse cuidado seja pautado na busca por muitas experiências positivas, que serão responsáveis por emoções positivas. Quanto mais emoções positivas o animal vivenciar, mais elevado será seu nível de bem-estar.
A natureza, é sem dúvida, o melhor lugar para um animal viver, mas, por todo conhecimento técnico e científico que temos atualmente, sabemos que é possível proporcionar bem-estar a qualquer espécie de animal selvagem mantida sob cuidados humanos. Quando respeitamos o animal dentro de sua essência como espécie podemos possibilitar que eles vivenciem elevados níveis de bem-estar e acima de tudo, prosperem.
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Cristiane Schilbach Pizzutto
Médica-veterinária formada pela FMVZ-USP. Mestre, Doutora e Pós-doutora pela FMVZ-USP. Professora e Orientadora no Programa de Pós-graduação em Reprodução Animal – FMVZ-USP. Presidente da Comissão de Bem-estar Animal do CRMV-SP. Membro do Comitê de Bem-estar da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB). Pesquisadora do Instituto Reprocon (Reproduction for Conservation). Sócia e Fundadora da Welfare Connections.
Bem-Estar de Animais Selvagens
A compreensão da importância das boas práticas que visam o bem-estar começou a ganhar força quando a senciência dos animais passou a ser reconhecida. O entendimento sobre o fato de os animais sentirem emoções positivas e negativas, nos faz repensar, diariamente, o modo como mantemos e cuidamos de diferentes espécies que estão sob os nossos cuidados.
Proporcionar elevados níveis de bem-estar a um animal está diretamente relacionado ao modo como criamos os ambientes artificiais para eles viverem e como atendemos às suas necessidades físicas, biológicas e comportamentais, em todos os estágios da vida, desde o nascimento até a velhice. Dentro do universo dos animais selvagens, este desafio é ainda maior, porque estamos falando de mais de 40.000 espécies distintas, dentre elas os anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
E para enfrentar este desafio, utilizamos o modelo dos cinco domínios, que nos ajuda não apenas a pensar na criação de ambientes dinâmicos e funcionais, capazes de possibilitarem experiências positivas aos animais, como também nos permite avaliar constantemente o nível de bem-estar que o animal está apresentando.
Os cinco domínios compreendem quatro domínios físicos-funcionais (ambiente, nutrição, saúde e interações comportamentais) e um domínio mental, que devem ser trabalhados de acordo com as particularidades da espécie e do indivíduo. E como podemos colocá-los em prática? Dentro do domínio ambiente vários pontos precisam ser considerados para atender às características do animal e cada um deles será avaliado pela possibilidade de proporcionar experiências positivas ou negativas. Independente do tamanho do animal, o ambiente precisa oferecer espaço suficiente para que grande parte do repertório comportamental seja apresentado e, ainda dentro deste espaço, a complexidade do ambiente também precisa ser levada em consideração. Por exemplo, um primata arborícola (vive grande parte da sua vida em árvores) precisa de espaço e estruturas que possibilitem este comportamento de subir em árvores). Já um tatu, que apresenta um comportamento de cavar, precisa de um substrato que atenda a estas características comportamentais. Considerando ainda a qualidade de um ambiente artificial, é imprescindível oferecermos pontos de fuga e esconderijos para que o animal se esconda sempre que sentir necessidade; dar a oportunidade de “não estar visível” é nosso dever a qualquer animal que esteja sob nossos cuidados.
Ainda dentro deste domínio, devemos nos preocupar em oferecer um ambiente que possibilite ao animal ter opções de escolha; o ambiente deve oferecer diferentes gradientes de temperatura, de iluminação, de estruturas físicas, além de segurança e conforto. Os diferentes estímulos sensoriais não podem ficar fora. Dentro do universo dos animais selvagens, cada espécie se “comunica”, interage e explora seu ambiente de acordo com a sensibilidade e acurácia de cada órgão do sentido, todos eles altamente especializados e específicos para uma melhor adaptação e sobrevivência.
O domínio nutrição é um ponto importante a ser considerado não apenas pela qualidade e balanceamento de uma dieta, mas também pela forma como o animal adquire seu alimento, considerando todas as particularidades dos diferentes comportamentos de forrageio (busca pelo alimento). Uma girafa, por exemplo, gasta em média 14 horas por dia forrageando e comendo folhagens de árvores; já uma onça precisa criar toda uma estratégia de caça da sua presa para se poder se alimentar. Além disso, precisamos considerar o grau de atividade, a idade e a fase reprodutiva, onde demandas energéticas variadas irão exigir mudanças constantes nas dietas. Se a espécie em questão puder ter essas necessidades específicas atendidas dentro do seu ambiente artificial estaremos proporcionando experiências positivas.
E para falarmos de saúde é fundamental observar as posturas corporais, presença de lesões, sinais de injúrias e dor dos animais. Muitas espécies de animais silvestres são consideradas presas (alimento de outros animais), quando estão em vida livre; por esta característica, elas muitas vezes camuflam (escondem) a dor para não se mostrarem fragilizadas e suscetíveis à predação. Precisamos estar muito atentos a essas características. Ter uma avaliação constante e uma intervenção médico-veterinária rápida, sempre que necessário, evita que os animais vivam experiências negativas dentro deste domínio.
Já as interações comportamentais abrem uma grande possibilidade de experiências essenciais aos animais silvestres mantidos sob cuidados humanos. Elas serão avaliadas pela interação do animal com seu ambiente, com outros animais (da mesma espécie ou não) e com humanos. Sendo assim, precisamos reforçar todas as técnicas de enriquecimento ambiental, para deixar o ambiente complexo e funcional dentro das necessidades da espécie em questão. Dar a possibilidade de interações com outros animais, principalmente para espécies que são sociais, reforça os comportamentos naturais de socialização e aprendizagem. A interação com humanos dentro das práticas diárias de manejo, cuidados e treinamento é uma outra oportunidade de o animal viver experiências positivas em seu ambiente.
E por fim, o domínio mental atua como uma balança de todas as experiências que os animais viveram nos domínios físicos-funcionais, sejam elas positivas ou negativas. Para mantermos um animal silvestre sob os cuidados humanos, seja ele um sapo ou um elefante, precisamos conhecer detalhadamente sobre a espécie e todas as suas características, necessidades, particularidades e individualidade para que esse cuidado seja pautado na busca por muitas experiências positivas, que serão responsáveis por emoções positivas. Quanto mais emoções positivas o animal vivenciar, mais elevado será seu nível de bem-estar.
A natureza, é sem dúvida, o melhor lugar para um animal viver, mas, por todo conhecimento técnico e científico que temos atualmente, sabemos que é possível proporcionar bem-estar a qualquer espécie de animal selvagem mantida sob cuidados humanos. Quando respeitamos o animal dentro de sua essência como espécie podemos possibilitar que eles vivenciem elevados níveis de bem-estar e acima de tudo, prosperem.
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Cristiane Schilbach Pizzutto
Médica-veterinária formada pela FMVZ-USP. Mestre, Doutora e Pós-doutora pela FMVZ-USP. Professora e Orientadora no Programa de Pós-graduação em Reprodução Animal – FMVZ-USP. Presidente da Comissão de Bem-estar Animal do CRMV-SP. Membro do Comitê de Bem-estar da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB). Pesquisadora do Instituto Reprocon (Reproduction for Conservation). Sócia e Fundadora da Welfare Connections.