Bem-estar animal

UMA CIÊNCIA EM EVOLUÇÃO

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Bem-estar de Animais de Laboratório

Os animais desempenharam um papel muito importante na maioria dos avanços da medicina, incluindo a descoberta da insulina usada para o tratamento de diabetes, de vacinas como aquelas contra a poliomielite, assim como a da varíola, que foi erradicada ao redor do mundo, bem como na descoberta de antibióticos como a penicilina.

Atualmente, milhões de animais são usados para o desenvolvimento de tratamentos médicos, para testar a segurança de substâncias que podem ser perigosas tanto para os seres humanos, como para o meio ambiente. Por exemplo, antes de um produto químico, como um inseticida, ser vendido para nós ele precisa ser testado e provado que não trará malefícios para nós, para os animais e para o meio ambiente.

Antigamente não havia muita preocupação sobre a forma com que os animais por eram mantidos sob cuidados humanos porque não se sabia que os animais têm sentimentos muito parecidos com os nossos.

Hoje é diferente. Muitos estudos mostram que os animais são sencientes, isto é, são seres capazes de sentir e demonstrar suas emoções como mal-estar, dor, desconforto, medo, angústia e também contentamento. Um “animal feliz” é mais alerta e exibe um amplo repertório de comportamentos específicos da espécie como, por exemplo, procurar por alimento e água, brincar com outros animais mantidos no mesmo recinto, fazer a limpeza diária do próprio pelo e/ou de outros animais com os quais convive e até mesmo disputar espaço para estabelecer hierarquia social dentro do grupo.

O ambiente físico também tem papel importante no bem-estar. Por exemplo, os animais são capazes de ouvir sons que nós, humanos, não ouvimos. Desta forma, ruídos emitidos por computadores, por exemplo, podem ser percebidos e bastante desagradáveis para os animais, mas não por nós. Eles também podem emitir sons que indicam que estão felizes ou em sofrimento e não percebemos.

Como agora sabemos que os animais sofrem, é uma obrigação ética assegurar que estejam se sentindo bem quando estão sob nossos cuidados. Isso também é importante para assegurar a qualidade e validade das pesquisas que são feitas com eles. Isso acontece porque há evidências científicas que mostram que a dor, o sofrimento e o estresse podem alterar os comportamentos e a forma com que o corpo dos animais funciona. Ou seja, eles podem, por exemplo, reagir de forma diferente a um medicamento se estiverem em sofrimento quando comparado à sua reação quando seu bem-estar é garantido.

Como os animais estão sob nossa responsabilidade e para garantir a qualidade de bem-estar e dos dados das pesquisas, é de extrema importância que os profissionais que trabalham com estes animais tenham profundo entendimento sobre a biologia, a fisiologia e comportamento das espécies e obtenham treinamento para manipular e cuidar dos animais. Para manter esses animais em recintos fechados é necessário adequar as condições desse ambiente com a forma que eles vivem na natureza. Por exemplo, a temperatura do local deve ser confortável para o animal. Se na natureza eles vivem em bandos, não é bom deixá-los sozinhos na gaiola e vice-versa. Os profissionais que cuidam desses animais devem também saber identificar padrões comportamentais que indicam sinais de que o animal está bem, sem dor e estresse. Isso pode ser minimizado, por exemplo, com medicamentos e tratamento, assim como com a inclusão de materiais nos recintos onde os animais são mantidos, chamado “enriquecimento ambiental”. Um exemplo disso é incluir tocas ou locais para eles se esconderem e até mesmo material para que eles construam ninhos. Trabalhos científicos mostram também que algumas espécies de animais mantidas sob cuidados humanos o que faz com que exibam comportamentos anormais como morderem barras das gaiolas ou andarem em círculos. Portanto, o enriquecimento ambiental deve também incluir brinquedos ou atividades para eles ficarem ocupados. Isso ajuda os animais a lidar melhor com o ambiente no qual são mantidos, o que leva também a uma maior confiabilidade dos resultados das pesquisas que são feitas com eles.

Embora somente em anos recentes exista a Lei no Brasil, conhecida como Lei Arouca, (Lei Federal nº 11.794/08), que regulamenta o uso de animais em pesquisa e assegura o bem-estar dos animais, já faz muito tempo (por volta do ano 1700) que algumas pessoas se preocupam com isso. A primeira sociedade protetora de animais foi fundada, por exemplo, na Inglaterra, no século XX.

Na década de 1950 foi proposta uma ideia muito importante nesse campo pelo zoólogo William Russell e o biólogo Rex Burch, ambos ingleses. Eles publicaram um livro (“The Principles of Humane Experimental Technique”) que propôs três maneiras de garantir menor impacto de pesquisas científicas no bem-estar nos animais, sem comprometer os objetivos dos estudos. Isso ficou conhecido como o conceito dos 3Rs (“Replacement, Reduction e Refinement”) que, em português, quer dizer Substituição, Redução e Refinamento.

O princípio dos 3Rs foi amplamente aceito pela comunidade científica e se tornou a base para a condução de estudos que utilizam animais. Observar os princípios dos 3Rs é hoje necessário para os cientistas justificarem a realização e a confiabilidade dos resultados de suas pesquisas. 

A definição deles é:

Substituição: substituir o uso de animais nas pesquisas por simulações computacionais, cultura de tecidos, órgãos artificiais, invertebrados e nematoides;

Redução: minimizar o número de animais usados nas pesquisas sem comprometer os objetivos científicos. Estudos adequadamente planejados e programas estatísticos podem ajudar os cientistas com os cálculos de quantos animais devem usar nos seus estudos e;

Refinamento: eliminar ou minimizar qualquer tipo de fator estressante que os animais possam estar expostos como dor, desconforto e medo. Exemplos de refinamento incluem melhorias no alojamento para que permitam a expressão de comportamentos específicos da espécie, no manejo, na manipulação, nos procedimentos científicos aos quais os animais serão submetidos, nos protocolos de anestesia e analgesia e até a escolha do momento para o término do estudo.

Por motivos éticos e científicos, enquanto houver a necessidade de os animais serem usados em pesquisas, nosso papel é zelar pela segurança deles e nos certificarmos de que estamos oferecendo padrões excelentes aos seus cuidados e, desta forma, garantir o seu bem-estar.

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Cleide Falcone

Graduação em Zootecnia pela UNESP, mestrado e doutorado na área de Neurociências e Comportamento pela USP. Sua pesquisa e a maior parte das disciplinas de doutorado foram feitas na University of California – Davis, onde também trabalhou como Post-Graduate Researcher e Staff Associate. Pós-doutorado pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares onde criou os Programas de Comportamento; Bem-Estar Animal; Enriquecimento Ambiental de Animais de Laboratório e Garantia de Bem-estar de Animais de Laboratório. Atualmente, é diretora de cursos e treinamentos em Comportamento e Bem-estar de Animais de Laboratório e de Fazenda no Cambridge E-Learning Institute, atua como conselheira no Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA), é membro titular na Câmara de Métodos Alternativos do CONCEA e atua como consultora na área de Comportamento, Bem-estar de Animais de Laboratório e de Fazenda, Implementação dos 3Rs e Cultura do Cuidado.

Bem-estar de Animais de Laboratório

Os animais desempenharam um papel muito importante na maioria dos avanços da medicina, incluindo a descoberta da insulina usada para o tratamento de diabetes, de vacinas como aquelas contra a poliomielite, assim como a da varíola, que foi erradicada ao redor do mundo, bem como na descoberta de antibióticos como a penicilina.

Atualmente, milhões de animais são usados para o desenvolvimento de tratamentos médicos, para testar a segurança de substâncias que podem ser perigosas tanto para os seres humanos, como para o meio ambiente. Por exemplo, antes de um produto químico, como um inseticida, ser vendido para nós ele precisa ser testado e provado que não trará malefícios para nós, para os animais e para o meio ambiente.

Antigamente não havia muita preocupação sobre a forma com que os animais por eram mantidos sob cuidados humanos porque não se sabia que os animais têm sentimentos muito parecidos com os nossos.

Hoje é diferente. Muitos estudos mostram que os animais são sencientes, isto é, são seres capazes de sentir e demonstrar suas emoções como mal-estar, dor, desconforto, medo, angústia e também contentamento. Um “animal feliz” é mais alerta e exibe um amplo repertório de comportamentos específicos da espécie como, por exemplo, procurar por alimento e água, brincar com outros animais mantidos no mesmo recinto, fazer a limpeza diária do próprio pelo e/ou de outros animais com os quais convive e até mesmo disputar espaço para estabelecer hierarquia social dentro do grupo.

O ambiente físico também tem papel importante no bem-estar. Por exemplo, os animais são capazes de ouvir sons que nós, humanos, não ouvimos. Desta forma, ruídos emitidos por computadores, por exemplo, podem ser percebidos e bastante desagradáveis para os animais, mas não por nós. Eles também podem emitir sons que indicam que estão felizes ou em sofrimento e não percebemos.

Como agora sabemos que os animais sofrem, é uma obrigação ética assegurar que estejam se sentindo bem quando estão sob nossos cuidados. Isso também é importante para assegurar a qualidade e validade das pesquisas que são feitas com eles. Isso acontece porque há evidências científicas que mostram que a dor, o sofrimento e o estresse podem alterar os comportamentos e a forma com que o corpo dos animais funciona. Ou seja, eles podem, por exemplo, reagir de forma diferente a um medicamento se estiverem em sofrimento quando comparado à sua reação quando seu bem-estar é garantido.

Como os animais estão sob nossa responsabilidade e para garantir a qualidade de bem-estar e dos dados das pesquisas, é de extrema importância que os profissionais que trabalham com estes animais tenham profundo entendimento sobre a biologia, a fisiologia e comportamento das espécies e obtenham treinamento para manipular e cuidar dos animais. Para manter esses animais em recintos fechados é necessário adequar as condições desse ambiente com a forma que eles vivem na natureza. Por exemplo, a temperatura do local deve ser confortável para o animal. Se na natureza eles vivem em bandos, não é bom deixá-los sozinhos na gaiola e vice-versa. Os profissionais que cuidam desses animais devem também saber identificar padrões comportamentais que indicam sinais de que o animal está bem, sem dor e estresse. Isso pode ser minimizado, por exemplo, com medicamentos e tratamento, assim como com a inclusão de materiais nos recintos onde os animais são mantidos, chamado “enriquecimento ambiental”. Um exemplo disso é incluir tocas ou locais para eles se esconderem e até mesmo material para que eles construam ninhos. Trabalhos científicos mostram também que algumas espécies de animais mantidas sob cuidados humanos o que faz com que exibam comportamentos anormais como morderem barras das gaiolas ou andarem em círculos. Portanto, o enriquecimento ambiental deve também incluir brinquedos ou atividades para eles ficarem ocupados. Isso ajuda os animais a lidar melhor com o ambiente no qual são mantidos, o que leva também a uma maior confiabilidade dos resultados das pesquisas que são feitas com eles.

Embora somente em anos recentes exista a Lei no Brasil, conhecida como Lei Arouca, (Lei Federal nº 11.794/08), que regulamenta o uso de animais em pesquisa e assegura o bem-estar dos animais, já faz muito tempo (por volta do ano 1700) que algumas pessoas se preocupam com isso. A primeira sociedade protetora de animais foi fundada, por exemplo, na Inglaterra, no século XX.

Na década de 1950 foi proposta uma ideia muito importante nesse campo pelo zoólogo William Russell e o biólogo Rex Burch, ambos ingleses. Eles publicaram um livro (“The Principles of Humane Experimental Technique”) que propôs três maneiras de garantir menor impacto de pesquisas científicas no bem-estar nos animais, sem comprometer os objetivos dos estudos. Isso ficou conhecido como o conceito dos 3Rs (“Replacement, Reduction e Refinement”) que, em português, quer dizer Substituição, Redução e Refinamento.

O princípio dos 3Rs foi amplamente aceito pela comunidade científica e se tornou a base para a condução de estudos que utilizam animais. Observar os princípios dos 3Rs é hoje necessário para os cientistas justificarem a realização e a confiabilidade dos resultados de suas pesquisas. 

A definição deles é:

Substituição: substituir o uso de animais nas pesquisas por simulações computacionais, cultura de tecidos, órgãos artificiais, invertebrados e nematoides;

Redução: minimizar o número de animais usados nas pesquisas sem comprometer os objetivos científicos. Estudos adequadamente planejados e programas estatísticos podem ajudar os cientistas com os cálculos de quantos animais devem usar nos seus estudos e;

Refinamento: eliminar ou minimizar qualquer tipo de fator estressante que os animais possam estar expostos como dor, desconforto e medo. Exemplos de refinamento incluem melhorias no alojamento para que permitam a expressão de comportamentos específicos da espécie, no manejo, na manipulação, nos procedimentos científicos aos quais os animais serão submetidos, nos protocolos de anestesia e analgesia e até a escolha do momento para o término do estudo.

Por motivos éticos e científicos, enquanto houver a necessidade de os animais serem usados em pesquisas, nosso papel é zelar pela segurança deles e nos certificarmos de que estamos oferecendo padrões excelentes aos seus cuidados e, desta forma, garantir o seu bem-estar.

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Cleide Falcone

Graduação em Zootecnia pela UNESP, mestrado e doutorado na área de Neurociências e Comportamento pela USP. Sua pesquisa e a maior parte das disciplinas de doutorado foram feitas na University of California – Davis, onde também trabalhou como Post-Graduate Researcher e Staff Associate. Pós-doutorado pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares onde criou os Programas de Comportamento; Bem-Estar Animal; Enriquecimento Ambiental de Animais de Laboratório e Garantia de Bem-estar de Animais de Laboratório. Atualmente, é diretora de cursos e treinamentos em Comportamento e Bem-estar de Animais de Laboratório e de Fazenda no Cambridge E-Learning Institute, atua como conselheira no Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA), é membro titular na Câmara de Métodos Alternativos do CONCEA e atua como consultora na área de Comportamento, Bem-estar de Animais de Laboratório e de Fazenda, Implementação dos 3Rs e Cultura do Cuidado.